Respirante em ebulição.

Luiza Sarmento, Brazil

28.7.10

C u i d a d o : Não leia. Indigesto!

Hoje voltei do meu almoço amargando um diálogo bem indigesto. A garçonete dizia: "Eu não sou racista, nem preconceituosa, mas veado não é coisa de Deus. Por mim tinha tudo que morrer, não fazem filho, então tá errado. Deus não fez desse jeito". Antes não tivesse ouvido tamanha imbecilidade! Aquilo me deixou numa gastura, sem proporções! Como pode o amor ser pior que a intolerância?! Porque as pessoas se importam tanto com a vida sexual das outras? E ela complementava dizendo: "Quando meu filho vê essas coisas, eu aponto e digo: Isso é boiola! E você não gosta disso, entendeu?!" Meu estômago embrulhou-se novamente. Fiquei pensando sobre como nascem os skinheads, os Nazistas, os Brunos da vida!

Lembrei do conselho do sensei: "Não precisamos gostar de todo mundo, mas sim respeitar o outro". Como não conseguiria pronunciar nada respeitoso, silenciei-me e tentei imaginar uma cena engraçada, então. Para afastar a raiva desse corpo que não estava a fim de lhe pertencer, imaginei ela encarando o pôster, de algum galã de novela, que ela nem desconfia que seja gay - Pois eles também estão se protegendo do bulling publicitário... É! Tava ficando difícil!

Incomodada me levantei para pagar minha conta. Não consegui olhar nos olhos da sujeita, pensando que se me intrometesse, não ganharia nada com isso. Estava bem claro que se tratava de uma pessoa, extremamente ignorante e limitada. Senti a ira subir quente! Recitei baixinho meu mantra apaziguador, como se puxasse o gatilho do extintor. É preciso lembrar que pessoas ignorantes e limitadas não são apenas a garçonete e suas amigas ali concordando. Mas muito bacana de cobertura da Vieira Souto e condomínios da Barra de Tijuca fazem o mesmo discurso quando marcam seus pegas nas madrugadas, medindo seus paus e matando pessoas, com seus papais vindo lhes socorrer promovendo mais mau exemplo, enquanto roubam mais uma vez a oportunidade de seus filhos aprenderem valores e limites, que nunca souberam dar.

Não vou me igualar sendo preconceituosa, justificando a pouca tolerância da ignóbil garçonete, por pouco aceso à educação, nas escolas e em casa. Isso seria o mais preconceituoso dos gestos. Seria como as cotas universitárias! Os Mauricinhos estudaram nos melhores colégios e fizeram pior. Mataram! O problema é a falta de educação moral e cívica, endêmica, que assola esse país e as famílias. Estamos moribundos de valores em todas as classes. Não quero nem falar sobre os policiais e sua "corrupção passiva", seria chover no molhado. Nossa sociedade está podre e oca, mas não deixo de acreditar que temos potencial para sermos melhores.

Você pode estar pensando: que garota maluca! Como pode comparar duas coisas tão distantes? Pra mim, são todos iguais! Não passam de pessoas ignorantes (pra dizer, o mínimo). Ignoram o valor da vida nos seus muitos aspectos. Da mesma forma que a garçonete luta contra a liberdade sexual das pessoas, utilizando o nome de Deus, muitas pessoas lutam, por sí mesmas. Loteiam sua ética mutilando-se com a faca da corrupção, ao invés de estarem mais preocupados em polirem seu caráter e tentar diminuir os problemas do mundo, se esforçando para serem e criarem pessoas melhores. Abrindo mão da ancora da intolerância, engolindo alguns sapos e, entendendo que não dá pra mudar as pessoas sem permitir que elas assumam a responsabilidade de seus gestos. Só a experiência e a disciplina educam.

Cada um é o que é! E o mais esperto nessa seleção sócio-natural não é o corrupto que brada dizendo que o mundo é seu - corroborado pelo que as novelas e jornais nos fazem acreditar. Esperto é o que levanta a bandeira branca e entende a leveza que é saber respeitar o outro e suas diferenças. E que para todos os seus atos há conseqüências. E como o mundo pode ser melhor, se formos melhores.

Tenho certeza de que paz é uma das poucas coisas que todos no mundo adorariam ter. Até os extremistas se explodem acreditando num paraíso cheio de virgens para descansar sua eternidade. Quem não gosta do sono dos justos, sem dívidas, sem brigas, sem ameaças? Profundo e revigorante! Mas o tempo corrido, não deixa. A sanha faminta do dinheiro, não deixa. A fome, não deixa. A falta de saúde, não deixa. A rotina, não deixa. A falta de educação, não deixa. A descrença em um mundo melhor, não deixa... Por que o que se chama de prioridade é outra coisa. Porque alguns, perderam a referência de um sono tranqüilo na sua longínqua infância, ou em alguma remota encarnação. Engoli o sapo de hoje, mas não sou nenhuma idealista sentada atrás do teclado. Justiça é imprescindível e votar bem, também é!

No passado as mulheres não votavam! E os homens ignorantes da época, lutaram contra os direitos delas. Os negros eram escravos, e outros ignorantes lutaram contra suas liberdades. No passado as mulheres não eram independentes, não trabalhavam, e aqui estamos nós, eu e a garçonete. Uma diante da outra. Duas guerreiras lutando diariamente contra o preconceito e o machismo no mercado de trabalho. E ela perguntava, mascando um chiclete de boca aberta: - débito ou crédito? Eu pensava: - desde que o mundo é mundo, intolerância não é mais saudável do que respeito. Então me senti irmanada a ela (pelo menos em alguma coisa), lamentando que ela não enxergue o que eu enxergo, mas sei que muitos são capazes. E ela dizia: - ei! Psiu! Colega! Débito ou crédito? E eu respondi resmungando: - débito colega! Débito.

Saí do restaurante um pouco tonta, me sentindo uma formiguinha clamando num megafone por mais amor no mundo. Mas tenho certeza: isso é de Deus... do meu Deus.

13 comentários:

T@CITO/XANADU disse...

Gritar
aos gritos
o grito
grunhido
ungido,
pois gemidos
não serão ouvidos...

PAZ !
Tácito

PS - Parabéns pelo belo Texto!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Analice disse...

engraçado que boa parte dessas opiniãoes luiza vem de pessoas que sao relativamente jovens.... pois tem muitos jovens que acreditam e usam suas falas afirmando que o bruno é menos crimiso porque matou uma jovem que fez programa .... infelzimente ainda precisamos nos calar e orAR a Deus quando ouvimos esse tipo de coisa...

Ana Sarmento disse...

O coro contra o recudescimento da ignorância, do preconceito, da intolerância e da corrupção precisa aumentar.
Faço coro com você e fico muito contente de poder assinar embaixo do seu desabafo conciente.

Grande beijo.

Ana Sarmento

Amanda_Morais disse...

Apoiado. Como dizia , Kurt Cobain "God is gay". Eu acrescento: Mulher,negra,pobre...

Priscilla Castro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Priscilla Castro disse...

Há coisas realmente que nos deixam tontas e com um nó na garganta!

Há de se matar um leão por dia, mesmo que ele viva apenas dentro da gente!

Indigesta é a ignorância.

Anderson Peres disse...

Luiza, você me surpreende com sua maneira de pensar e de usar as palavras...

Você é demais! Beijos!

Anderson Peres de Limeira - SP

Amanda_Morais disse...

Quero mais noticias da sua banda! Não seja má, vc podia mandar um link com alguma gravação. a

Unknown disse...

O senso-comum se impressiona com as aparências, vive do susto, ou morre com ele!(rs)

Unknown disse...

As vezes me perguntam, porque quando vc ouço algo preconceituoso tão agressor, não rebate? Não tem argumentos?? Penso exatamente assim... Tem certas coisas que não tem como abrir a boca, brigar, discutir. Não vai dar em nada! Só me resta respirar, inspirar, respirar, inspirar...
Adorei sua postagem!

R.R disse...

Uam amiga minha diz sempre: "Amar a todos, gostar de alguns"

Parabéns pelo belíssimo blog!
Beijo grande!

Evaristo Calixto disse...

Olá, Luiza!

Você expressou sua indignação de uma forma reflexiva, o que faz a diferença, mormente no tema que abordou.

Na certa, a garçonete não pensa como pensa por "maldade". É como você bem frisou, a questão é de ignorância (ignorância no sentido de "falta de conhecimento", de falta de vivência).

Também me sinto indignado diante de situações desse tipo. E é importante recorrer à prece, ou ao mantra.

Porém, se determinada coisa nos acende a ira, é por no fundo sabermos que, na certa, sustentaríamos a mesma postura que estamos criticando, caso nos víssemos sob os mesmos determinantes sob os quais o semelhante está.

Na situação que descreveu, em que Deus foi invocado para suprimir a liberdade sexual alheia, é fácil se achar sabido demais, superior, por ter se alçado a uma faixa de compreensão mais abrangente. Ainda bem que não foi o seu caso, e o demonstrou com sabedoria.

Beijos.